terça-feira, 14 de outubro de 2008

1... 2... 3... testando!

Texto da Tati Bernadi para fazer alguns ajustes.

DE PEDRA
(Tati Bernardi)

Desse ângulo que estou agora, vejo meu Ipod rosa tocando David Bowie, a pia desmoronando e a tarraxinha do brinco que andava perdida. Está tudo no lugar, está tudo lá, me olhando. É a vida dizendo que faz sentido. Faz sentido a pia descolar depois de um tempo com tanto peso em cima, faz sentido que o aparelho que serve para tocar, toque. Faz sentido que um brinco tenha tarraxinha e faz ainda mais sentido que a tarraxinha, algo tão pequeno, se perca. O telefone não toca e isso é óbvio: eu não tenho telefone. Meu celular não toca e isso é óbvio: ele está desligado. A campainha não toca e isso é absurdamente óbvio: ninguém pode subir aqui sem que eu deixe. Ainda assim, ainda que eu esteja cercada de tantas coisas tão corretas quanto a cama ser algo para deitar, eu me pergunto: por que o mundo é tão estranho? Por que o telefone não toca? Porque eu estou aqui, mais uma vez, deitada na minha cama, achando tudo tão triste e solitário e estranho? Canta David, canta seu louco de pedra. Onde é que está esse filho da puta desse homem que sold the world? Canta. Eu te entendo. Eu sou só uma garotinha careta sem tatuagens e com medo de queijo vencido. Mas eu te entendo. Não faz mesmo sentido essa pia, essa tarraxinha, esse silêncio, essa porra de campainha que ninguém toca. Não faz sentido. Mas essa música não é do Nirvana? Eu te entendo Kurt. Te entendo, cara. Eu não vou pular da janela não. Eu tenho medo de tomar sereno. Mas eu te entendo seu louco de pedra filho da puta. Venha como você é. Venha. Mas ninguém vem. E quando vem, ninguém vem como é. Lá fora todo mundo anda sorrindo e dando opiniões cheias de inteligência sobre o último filme do cinema. Mas ninguém liga pra ninguém e fala: não é louco demais viver em um mundo onde a pia desaba e as tarraxinhas aparecem do nada enquanto o David canta a música que inspirou o Nirvana? Viver é louco demais. Mas ninguém fala isso, ninguém fala. E eu me sinto tão absurdamente sozinha. Sozinha e hipócrita, porque eu também não vou ligar pra ninguém e falar que o mundo é louco demais. Eu vou continuar sendo inteligente em almoços, e criando campanhas bonitas com criancinhas inteligentes, e fazendo comentários inteligentes em jantares e parecendo alguém normal com uma pitadinha de humor britânico. E eu vou continuar absurdamente sozinha aqui, na espera do homem que sold the world. Na espera de comprar o mundo de volta e ordenar que você volte. Volte agora seu louco de pedra.

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